terça-feira, 16 de agosto de 2011

dezesseis de agosto de mil novecentos e vinte

Heinrich Karl Bukowski, nascido em 16 de agosto de 1920 em Andernach.

Mudou-se com seus pais quando ainda criança para os EUA. Antes, foram para Baltimore em 1923, mas depois se instalaram definitivamente no subúrbio de Los Angeles.

Seu pai, um soldado americano extremamente autoritário e frustrado, descontava os problemas pessoais no pequeno Bukowski, espancando-o pelos motivos mais banais.

Karl foi uma criança atormentada pela falta de carinho familiar e a humilhação de ter um rosto deformado (durante a adolescência), pelo fato de ter desenvolvido um tipo de acne rara.

O rosto e toda a parte superior do corpo literalmente tomada por inflamações obrigaram-no a submeter-se a tratamentos médicos no hospital público de sua cidade. A cada consulta seu médico o esculhambava, e na escola a situação também não era das melhores.

Para evitar as chacotas dos coleguinhas de classe, seus pais resolveram adaptar e legalizar seu nome para Henry Charles Bukowski Jr. Soava mais americano. Mas isso não o impediu de ter poucos amigos. E sempre era o penúltimo a ser escolhido para o time de beisebol.

Toda essa rejeição obrigou-o a fugir. Abandonou a escola para só voltar um ano depois.

Neste meio tempo descobriu duas coisas que o ajudariam a tornar a sua vida suportável: o álcool e os livros.

Teve Ernest Hemingway e Fiódor Dostoiévski como suas principais influências. Com o escritor russo, aprendeu: "Quem não quer matar seu pai?".

O complexo de Édipo rodeou Bukowski por toda a obra: "Ele" é o cara sacana, "Ele" é o responsável por seu sofrimento, "Ele" merece morrer. Este ódio por seu pai tornou-se mais evidente em seu livro “Misto-Quente”. Nele, esse sentimento sobressai latente; com textos que retratam detalhes profundos desses desafetos. E o que pode ser pior do que crescer nos Estados Unidos da recessão pós-1929? Ser pobre, de origem alemã, ter muitas espinhas, um pai tirano, beirando a psicopatia, uma mãe passiva e ignorante, nenhuma namorada e, pela frente, apenas a perspectiva de servir de mão-de-obra barata em um mundo cada vez menos propício às pessoas sensíveis e problemáticas. Esta é a história de Henry Chinaski, o protagonista do romance de Misto-Quente, que é sem dúvida uma das obras mais comoventes e mais lidas de Charles Bukowski. Verdadeiro romance de formação com toques autobiográficos que cativa o leitor pela sinceridade e aparente simplicidade com que a história é contada. Nele estão presentes a ânsia pela dignidade, a busca vã pela verdade e pela liberdade, trabalhadas de tal forma que fazem deste livro um dos melhores romances norte-americanos da segunda metade do século XX. O título é uma alusão, em se sentir pressionado, por ambos os lados, como um presunto entre duas fatias de pão.


Misto-Quente (Editora Brasiliense, 1ª edição 1984)

Esta obra foi publicada originalmente em 1982.


Apesar de ser o quarto romance dos seis que o autor escreveu e de ter sido lançado quando ele já contava mais de sessenta anos, Misto-Quente ilumina toda a obra de Bukowski. Pode-se dizer: quem não leu Misto-Quente, não leu Bukowski.

Charles Bukowski foi dono de um talento nato, um poeta bêbado, mas lúcido, que usava da simplicidade e da singularidade dos fatos mais rotineiros e transformava o cotidiano em obra de arte. Poucos são aqueles que como ele, vivenciou e permaneceu com naturalidade na sarjeta, fazendo dela, sua fonte de inspiração. De todo aquele inferno imundo e fedido, Bukowski fez o seu paraíso. Sua obra obscena e estilo coloquial, com descrições de trabalhos braçais, porres e relacionamentos baratos, fascinaram gerações de jovens à procura de uma obra com a qual pudessem se identificar. E nada disso o impediu de se tornar um grande poeta, contista e romancista de origem alemã.




Misto-Quente (Editora L&PM Pocket, 1ª edição 2005)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

MULHERES

Finalmente! Um dos livros mais aclamados de Charles Bukowski será reeditado. Mulheres havia sido lançado no Brasil pela editora Brasiliense em 1984. Desde então, estava esgotado e alcançava preços elevados em sebos e leilões na internet. Agora, a editora L&PM anunciou que irá publicar a obra dentro da coleção L&PM Pocket, em formato de bolso. Detalhes ainda não foram revelados, mas a capa já foi antecipada.

Mulheres foi lançado originalmente em 1978 e é um dos livros de maior sucesso de Bukowski. A obra é autobiográfica e foca uma série de relacionamentos do escritor. Causou consternação às mulheres que fizeram parte de sua vida por ter exposto situações vergonhosas e momentos íntimos. Os nomes fictícios usados por Bukowski eram elaborados a partir de jogos de letras tão ridículos que ficava fácil descobrir a real identidade das personagens. Posteriormente, todas suas antigas namoradas deram declarações furiosas sobre o livro. Apesar de lidar com as personagens femininas de um modo bastante machista, os homens em Mulheres são retratados de modo desprezível como fracos, desonestos e sexualmente inseguros.

Inspirado no Decamerão, de Boccaccio, a obra teve o título provisório de Love Tale of the Hyena. Por várias vezes Bukowski citou Mulheres como sendo seu melhor trabalho. Tendo sido publicado quase que simultaneamente com O amor é um cão dos diabos (poemas), possivelmente tenha sido seu livro de melhor desempenho em vendas na época do lançamento.

É nesse título que Henry Chinaski, alter ego do autor, cita o escritor John Fante e aponta Pergunte ao Pó como sendo um grande livro. Não seria um equívoco afirmar que esse fato resgatou Fante do ostracismo e apresentou sua obra para toda uma legião de leitores.

Charles Bukowski escreveu 6 romances e no momento apenas um está fora de catálogo no país: Cartas na Rua. O título estava disponível até pouco tempo (com sorte, ainda é encontrado na prateleira de algumas livrarias). Assim, com a publicação de Mulheres, pode-se afirmar que todas as principais obras do autor são de alguma forma de fácil acesso ao leitor brasileiro.


Texto por Jatobão Caiçaras


Parabéns Jabotão Caiçaras pela bela crítica!


A capa da nova edição foi especialmente desenhada por
Ivan Pinheiro Machado (que além de editor é artista plástico).

Parabéns pela ilustração e por mais este título no vasto catálogo da L&PM!!!


quinta-feira, 10 de junho de 2010

Cartas na Rua

"PARA NÃO ACABAR LOUCO"

Cartas na Rua (título original: Post Office) é a primeira novela escrita por Charles Bukowski logo após ter abandonado o emprego de quase 12 anos nos correios dos E.U.A.

Cartas na Rua (Circulo do Livro, 1ª edição 1971)

Resumo: Henry Chinaski é um pobre diabo que vive bêbado pelas ruas de Los Angeles. Depois de passar por dezenas de subempregos em mais de uma dúzia de cidades dos EUA, se emprega nos correios como carteiro temporário para entregar cartões de natal. Moleza pra quem já havia trabalhado em matadouros. Depois desse período passa a trabalhar como carteiro estagiário. Começa bem, mas quando é transferido para a agência Oakford, cujo encarregado é Jonstone, um carrasco merecidamente apelidado de Stone, começa o inferno para Hank. Os estagiários ficavam esperando que algum efetivo não viesse trabalhar para receberem alguma rota e só assim fazerem jus a algum pagamento. Do contrário, voltavam para casa sem um centavo no bolso. Stone reservava as piores rotas para Chinaski. Toda rota tinha uma armadilha que só os efetivos conheciam e não contavam. Foi perseguido por cães raivosos e madames loucas. Sempre chegava atrasado e Jonstone o colocava no relatório. Hank tinha uma companheira, Betty, mais louca e alcoólatra do que ele. Betty era 10 anos mais velha. Mas era pro rabo dela que ele voltava quando Stone o sacaneava e não lhe dava serviço. Bebia a noite inteira com Betty e ia pro trabalho invariavelmente de ressaca. O correio era um emprego seguro para os efetivos, mas penoso e muitas vezes desumano para qualquer um. Hank assistiu ao injusto desfecho de G.G. Um velho carteiro que levava balas para as crianças em sua rota. Foi acusado de abusar de uma menina pela mãe desinformada, pois, G.G. era inofensivo e incapaz de tal calunia. Ele apenas deu um beijo na testa da garota elogiando sua beleza após lhe entregar uma bala. Stone não se ocupou em defendê-lo e o velho ficou lá parado como um zumbi sem conseguir colocar suas cartas na sacola. Depois de um tempo começou a chorar convulsivamente e foi levado pro refeitório. Logo, nunca mais se ouviu falar de G.G. Por essas e outras, Hank resolve pedir demissão depois de 3 anos e meio. A partir dai, joga nos cavalos e começa a ganhar o suficiente pra se manter ébrio e pagar as contas. Betty então lhe diz que essa situação não pode continuar, pois todos pensam que ela o sustenta. Ele argumenta que ela sabe que isso não é verdade, mas mesmo assim ela está decidida. Pega o velho carro, junta os trapos e vai procurar um quarto. Continua indo ao hipódromo e conhece Joyce, 23 anos (ele tinha 36), loura, texana, ninfomaníaca e rica. Casam-se em Las Vegas e vão para a cidade natal de Joyce, no Texas. Lá é tratado como o grande cara que conseguiu dar o golpe do baú. Faz o tipo pra tirar sarro. Joyce decide que ele tem que arranjar trabalho, pois não estava pegando bem. Vão pra uma casa nas colinas. A avó de Joyce preenche um rechonchudo cheque e tenta suborná-lo para abandonar a neta, mas, Hank arruma um emprego de estagiário despachante numa galeria de arte. Vai levando bem até que um colega cisma de assobiar uma música horrível durante horas, todos os dias, em seu ouvido. Ele tem dores de cabeça horríveis por isso. Então escuta que os correios estão contratando e lá está ele pela segunda vez. Só que como escriturário. Joyce também está trabalhando e começa a falar constantemente de um homem que usa um alfinete roxo no paletó. De como ele é gentil, bondoso e que sofreu tanto, pois perdeu a mulher... Chinaski diz que conhece o tipo e adverte que ela se dará mal. Passam a ter algumas brigas e ela sempre o comparando com o alfinete roxo. Até que no meio de uma trepada, toca a campainha, ele vai atender e recebe a notificação do divórcio. Volta pro quarto e estende para Joyce o papel. Ela então diz que foi quando estavam brigando. Ele pergunta: é o alfinete roxo?? Sim, é o alfinete roxo? Responde ela? Dai, pega o carro e volta para as ruas de Los Angeles a procura de um quarto. Reencontra Betty, mas não é a mesma coisa. Passam o natal juntos e pouco tempo depois a encontra agonizando num hospital público. Morre de cirrose sem a assistência devida. As coisas vão se complicando, ele tem que decorar métodos complicados de conversões de ruas e fazer provas eliminatórias. Da turma que começou com ele, de uns 200, restavam apenas 17. Sua sorte aumenta com os cavalinhos e começa a ganhar cada vez mais. Pede uma licença. Só consegue quando ameaça pedir demissão. Vai pra perto da praia e do hipódromo, leva vida de rei, conhece Mary Lou, uma linda jovem. Descobre que era um golpe e quase é morto pelo comparsa dela. A grana acaba e também a licença. Volta pros correios, conhece Fay. Uma hippie maluca que vive em rodas de escritores. Chinaski apesar de escrever, odeia essas companhias. Nasce então, Marina Louesie. Mais uma vez é abandonado por uma mulher. Mas dessa vez é Fay quem sai e leva a menina pro México. Consegue criar um método pra decorar os manuais. Dos 200, agora sobram apenas 2. De tanto praticar o sistema de separação de cartas treinando na própria casa, sentia dores infinitas nos braços. Um médico vai vê-lo, mas não o dispensa do trabalho. Todo esse sofrimento apenas para garantir uma vaga que depois de 11 anos chuta tudo para o alto e pede demissão dos Correios dos EUA pela 2º vez. Entra em depressão, bebe sem parar, chega a colocar uma faca no pescoço, mas pensa na filha e desiste da idéia. Fica duas semanas sem comer, acha que vai morrer. Um dia recebe a visita de um casal vizinho. O cara oferece a garota para transar com ele. Ele diz que não tem condições. Saem, se divertem, ele bolina a menina, ai se sente mais vivo e resolve escrevinhar o petardo "Cartas na Rua".

Cartas na Rua (Editora Brasiliense, 1ª edição 1983)

Abaixo um trecho da obra.

Ela gritou:
- A MALDADE ESTÁ ESCRITA EM SUA CARA!
- E você acha que eu não sei? Agora deixe-me sair!
Com a mão tentei joga-la para o lado. Fincou as unhas em meu rosto. Pra valer. Deixei cair o malote, o meu quepe escorregou, e, enquanto eu pegava um lenço para estancar o sangue, ela veio e arranhou a outra face.
- SUA BUCETA! QUE MERDA PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?
- Viu? Viu só? Você é um tarado!
Ela estava de pe bem junto de mim. Agarrei-a pela bunda e mergulhei de boca. Os peitos balançando bem junto, ela toda junto de mim. Ela levantou a cabeça e afastou-a de mim:
- Tarado! Tarado! Tarado!
Com a boca alcancei um de seus peitos, fiquei nele um pouco e depois mudei para o outro.
- Estupro! Estupro! Estou sendo estuprada!
E ela estava certa. Puxei as suas calças, abri o meu zíper e liberei o ganso. Enfurecido, enfiei, e fomos andando até o sofá.Caímos bem no meio. Ela abriu bem as pernas!
- Estupro! - gritou.
Acabei logo, fechei o zíper, apanhei a mala do correio e sai enquanto ela ficava absorta olhando o teto...
Perdera o almoço e nem assim consegui chegar em tempo.
- Você está 15 minutos atrasado!, disse o Stone.
Eu não disse nada.
O Stone olhou pra mim.
- Por Deus, o que houve com o seu rosto?, perguntou.
- O que houve com o seu?
- O que você quer dizer?
- Ah, deixa pra lá!
Eu estava de ressaca de novo, e era uma outra onda de calor, uma semana com dias de 32 graus. A bebedeira continuava cada noite; nas madrugadas e durante os dias havia o Stone e a impossibilidade de tudo.
Alguns caras usavam capacete e protetores como se estivessem sob o sol africano, mas eu, eu ficava na mesma, chovesse ou fizesse sol - roupas esmolambadas e sapatos tão velhos que os pregos espetavam os pés. Pus pedaços de papelão nos sapatos. Mas só resolveu temporariamente - logo os pregos estavam me espetando os calcanhares de novo
O uísque e a cerveja evaporavam de mim, escorriam das axilas, e eu ia andando com minha carga nas costas como se carregasse uma cruz, entregando revistas, entregando milhares de cartas, cambaleando, derretendo debaixo do sol.
Alguma mulher gritou:
- CARTEIRO! CARTEIRO! ESSA CARTA NAO É DAQUI!
Olhei e ela estava um quarteirão morro abaixo e eu já estava atrasado.
- Olhe, dona, ponha a carta do lado de fora. Nós pegamos amanhã!
- NÃO! NÃO! QUERO QUE A LEVE AGORA!
Ela sacudia o troço no ar.
- Dona!
- VENHA BUSCAR! NÃO É DAQUI!
Oh, meu Deus. Deixei cair o malote. Aí peguei meu quepe e atirei-o na grama. Rolou ate a rua. Não liguei; desci em direção à mulher.
Desci meio quarteirão e arranquei a droga da carta das suas mãos, aí virei e voltei.
Daria um anúncio! Correio de quarta categoria. Algo como a venda de roupas pela metade do preço. Catei meu quepe e pus na cabeça. Pus o malote de volta no ombro esquerdo e recomecei. 32 graus.

Trecho extraído de Cartas na Rua
de Charles Bukowski
tradução de Alberto Alexandre Martins e Marilene Felinto

terça-feira, 9 de março de 2010

O adeus do Velho Sujo!

Henry Charles Bukowski Jr. Criou-se em meio à pobreza de Los Angeles, cidade onde morou por cinqüenta anos, escrevendo e embriagando-se excessivamente. Durante a vida, ganhou certa notoriedade com contos publicados em jornais alternativos, mas precisou buscar outros meios de sustento. Trabalhou durante quatorze árduos anos nos correios. Teve uma filha, Marina Louise Bukowski, casou-se, divorciou-se e manteve-se amasiado em profusão, casando-se posteriormente.

Perambulava pelos guetos, ruas sujas e bares de 5ª categoria. Em certa ocasião chegou a ser internado na enfermaria de indigentes de Los Angeles Country General Hospital e também por outras diversas vezes, com graves crises de hemorragias e outras disfunções geradas pelo abuso do álcool e do tabaco. Há quem diga que não morreu por sorte. Ao receber alta, conciliou-se com sua infalível máquina de escrever e depois de 10 anos, voltou a produzir compulsivamente, só que desta vez, fabricou um vasto material literário, entre poemas e reflexões do dia-a-dia.

"O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte."

Mais tarde, veio a confirmação de óbito, decorrente das complicações causadas durante o tratamento de leucemia, no qual estava se submetendo. Infelizmente o escritor não sobreviveu.

Faleceu na cidade de San Pedro na data de 09 de março de 1994, aos 73 anos de idade, pouco depois de concluir “Pulp”, o que viria a ser seu último trabalho literário.

É considerado o último escritor “maldito” da literatura norte-americana, uma espécie de autor beat honorário, embora nunca tenha se associado com outros representantes beatniks.

Em seus derradeiros anos de vida, Charles Bukowski deixou, além de Pulp”, mais uma obra, também inédita e publicada postumamente: O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio.


Este livro compreende trechos de seu diário de agosto de 1991 até fevereiro de 1993, onde Bukowski faz referência e revela outro romance que estava trabalhando.


Estou preocupado com minha novela. É sobre um detetive. Mas eu fico colocando-o em situações quase impossíveis e daí tenho que tirá-lo delas. Às vezes, penso numa solução quando estou no hipódromo. Sei que meu editor está curioso. Talvez ele ache que o texto não seja literário. Digo que qualquer coisa que faço é literária. Ele já deveria confiar em mim. Bem, se ele não quiser o texto, vou despejá-lo em outro lugar. Vai vender tão bem quanto qualquer coisa que escrevi, não porque é melhor, mas porque é tão bom quanto antes e meus leitores malucos estão prontos para ele”.


Este trabalho nada mais era que: “Pulp”, o último suspiro do velho safado, sua última cartada, a única obra que não é explicitamente autobiográfica, embora ainda narrada em primeira pessoa.


Porém, ambos os livros apresentam pistas importantes da total lucidez de que o autor dispunha, em relação a sua precária saúde e o fim que estava cada vez mais próximo, se tornando uma realidade consciente. O olho no olho que o autor tanto aguardava.


Pulp, assim como tantos outros velhos livretos policiais de papel vagabundo, adota o estilo pulp fiction. O fato de o autor tê-lo dedicado à subliteratura, reafirma a condição marginal a qual Bukowski e suas obras sempre estiveram submetidos.


EmPulp, Bukowski narra os episódios da vida de Nick Belane, um detetive particular de terceira classe. Um cara durão, mas azarado, que divide o seu escritório com as moscas e as baratas, onde a personagem sempre atrasa o aluguel. Não muito diferente do autor, quando o mesmo residiu em vários quartos de pensões e hotéis baratos.


Nesta obra percebe-se nitidamente a espera do autor pela morte.


(...) Em um dia insuportavelmente quente, Belane é surpreendido por uma mulher sexy, de longas pernas, “um glorioso pedaço de carne”, que chega ao seu escritório.


E seu nome é? Dona Morte.


Ela tem um trabalho para o detetive: encontrar Celine, um escritor francês que está morto há 32 anos, mas que ela insiste em dizer que o avistou em uma livraria de Los Angeles. Na busca por Celine, Belane também investiga outros estranhos casos, todos envolvendo vigaristas dos mais variados tipos, perseguições, assassinatos, brigas de bar e até uma conspiração alienígena.


Dona Morte, uma mulher inacreditavelmente fatal, é a personificação do sentimento que acompanhava Bukowski no período em que escreveu a obra; o de estar vivendo os seus últimos dias.


Pulp foi escrito em 1993, nos intervalos entre as sessões de quimioterapia a que Bukowski se submeteu devido à leucemia que o mataria meses mais tarde. Ele não conseguiu concretizar "a grande trapaça" e a Dona Morte o fisgou.


Sua literatura é de caráter extremamente autobiográfico, e nela abundam temas e personagens marginais, como prostitutas, sexo, alcoolismo, ressacas, corridas de cavalos, pessoas miseráveis e experiências escatológicas.


Um estilo livre, simples e imediatista. Na obra de Bukowski não transparecem demasiadas preocupações estruturais. É dotado de um senso de humor ferino, auto-irônico e cáustico.


Em matéria de Bukowski, as opiniões continuam divididas. Parece que não há meio termo. Ou as pessoas adoram, ou detestam o que ele escrevia. Histórias e façanhas de sua vida pessoal são tão descabeladas e estranhas como as que brotaram de uma imaginação que foi tão fértil. Em certo sentido, Bukowski foi uma lenda. Um desajustado, um recluso, um conquistador, carinhoso e perverso, mas, nunca igual.


O túmulo do senhor Henry Charles Bukowski Jr. se encontra no Cemitério Green Hills Memorial Park, túmulo número 875, da seção Ocean View, Rancho Palos Verdes, Cidade de San Pedro no estado da California, EUA.

Na lápide de seu túmulo está grafado o seguinte conselho:

"Don't Try" (tradução: "Nem Tente")

DESCANSE EM PAZ, MEU VELHO!