quinta-feira, 10 de junho de 2010

Cartas na Rua

"PARA NÃO ACABAR LOUCO"

Cartas na Rua (título original: Post Office) é a primeira novela escrita por Charles Bukowski logo após ter abandonado o emprego de quase 12 anos nos correios dos E.U.A.

Cartas na Rua (Circulo do Livro, 1ª edição 1971)

Resumo: Henry Chinaski é um pobre diabo que vive bêbado pelas ruas de Los Angeles. Depois de passar por dezenas de subempregos em mais de uma dúzia de cidades dos EUA, se emprega nos correios como carteiro temporário para entregar cartões de natal. Moleza pra quem já havia trabalhado em matadouros. Depois desse período passa a trabalhar como carteiro estagiário. Começa bem, mas quando é transferido para a agência Oakford, cujo encarregado é Jonstone, um carrasco merecidamente apelidado de Stone, começa o inferno para Hank. Os estagiários ficavam esperando que algum efetivo não viesse trabalhar para receberem alguma rota e só assim fazerem jus a algum pagamento. Do contrário, voltavam para casa sem um centavo no bolso. Stone reservava as piores rotas para Chinaski. Toda rota tinha uma armadilha que só os efetivos conheciam e não contavam. Foi perseguido por cães raivosos e madames loucas. Sempre chegava atrasado e Jonstone o colocava no relatório. Hank tinha uma companheira, Betty, mais louca e alcoólatra do que ele. Betty era 10 anos mais velha. Mas era pro rabo dela que ele voltava quando Stone o sacaneava e não lhe dava serviço. Bebia a noite inteira com Betty e ia pro trabalho invariavelmente de ressaca. O correio era um emprego seguro para os efetivos, mas penoso e muitas vezes desumano para qualquer um. Hank assistiu ao injusto desfecho de G.G. Um velho carteiro que levava balas para as crianças em sua rota. Foi acusado de abusar de uma menina pela mãe desinformada, pois, G.G. era inofensivo e incapaz de tal calunia. Ele apenas deu um beijo na testa da garota elogiando sua beleza após lhe entregar uma bala. Stone não se ocupou em defendê-lo e o velho ficou lá parado como um zumbi sem conseguir colocar suas cartas na sacola. Depois de um tempo começou a chorar convulsivamente e foi levado pro refeitório. Logo, nunca mais se ouviu falar de G.G. Por essas e outras, Hank resolve pedir demissão depois de 3 anos e meio. A partir dai, joga nos cavalos e começa a ganhar o suficiente pra se manter ébrio e pagar as contas. Betty então lhe diz que essa situação não pode continuar, pois todos pensam que ela o sustenta. Ele argumenta que ela sabe que isso não é verdade, mas mesmo assim ela está decidida. Pega o velho carro, junta os trapos e vai procurar um quarto. Continua indo ao hipódromo e conhece Joyce, 23 anos (ele tinha 36), loura, texana, ninfomaníaca e rica. Casam-se em Las Vegas e vão para a cidade natal de Joyce, no Texas. Lá é tratado como o grande cara que conseguiu dar o golpe do baú. Faz o tipo pra tirar sarro. Joyce decide que ele tem que arranjar trabalho, pois não estava pegando bem. Vão pra uma casa nas colinas. A avó de Joyce preenche um rechonchudo cheque e tenta suborná-lo para abandonar a neta, mas, Hank arruma um emprego de estagiário despachante numa galeria de arte. Vai levando bem até que um colega cisma de assobiar uma música horrível durante horas, todos os dias, em seu ouvido. Ele tem dores de cabeça horríveis por isso. Então escuta que os correios estão contratando e lá está ele pela segunda vez. Só que como escriturário. Joyce também está trabalhando e começa a falar constantemente de um homem que usa um alfinete roxo no paletó. De como ele é gentil, bondoso e que sofreu tanto, pois perdeu a mulher... Chinaski diz que conhece o tipo e adverte que ela se dará mal. Passam a ter algumas brigas e ela sempre o comparando com o alfinete roxo. Até que no meio de uma trepada, toca a campainha, ele vai atender e recebe a notificação do divórcio. Volta pro quarto e estende para Joyce o papel. Ela então diz que foi quando estavam brigando. Ele pergunta: é o alfinete roxo?? Sim, é o alfinete roxo? Responde ela? Dai, pega o carro e volta para as ruas de Los Angeles a procura de um quarto. Reencontra Betty, mas não é a mesma coisa. Passam o natal juntos e pouco tempo depois a encontra agonizando num hospital público. Morre de cirrose sem a assistência devida. As coisas vão se complicando, ele tem que decorar métodos complicados de conversões de ruas e fazer provas eliminatórias. Da turma que começou com ele, de uns 200, restavam apenas 17. Sua sorte aumenta com os cavalinhos e começa a ganhar cada vez mais. Pede uma licença. Só consegue quando ameaça pedir demissão. Vai pra perto da praia e do hipódromo, leva vida de rei, conhece Mary Lou, uma linda jovem. Descobre que era um golpe e quase é morto pelo comparsa dela. A grana acaba e também a licença. Volta pros correios, conhece Fay. Uma hippie maluca que vive em rodas de escritores. Chinaski apesar de escrever, odeia essas companhias. Nasce então, Marina Louesie. Mais uma vez é abandonado por uma mulher. Mas dessa vez é Fay quem sai e leva a menina pro México. Consegue criar um método pra decorar os manuais. Dos 200, agora sobram apenas 2. De tanto praticar o sistema de separação de cartas treinando na própria casa, sentia dores infinitas nos braços. Um médico vai vê-lo, mas não o dispensa do trabalho. Todo esse sofrimento apenas para garantir uma vaga que depois de 11 anos chuta tudo para o alto e pede demissão dos Correios dos EUA pela 2º vez. Entra em depressão, bebe sem parar, chega a colocar uma faca no pescoço, mas pensa na filha e desiste da idéia. Fica duas semanas sem comer, acha que vai morrer. Um dia recebe a visita de um casal vizinho. O cara oferece a garota para transar com ele. Ele diz que não tem condições. Saem, se divertem, ele bolina a menina, ai se sente mais vivo e resolve escrevinhar o petardo "Cartas na Rua".

Cartas na Rua (Editora Brasiliense, 1ª edição 1983)

Abaixo um trecho da obra.

Ela gritou:
- A MALDADE ESTÁ ESCRITA EM SUA CARA!
- E você acha que eu não sei? Agora deixe-me sair!
Com a mão tentei joga-la para o lado. Fincou as unhas em meu rosto. Pra valer. Deixei cair o malote, o meu quepe escorregou, e, enquanto eu pegava um lenço para estancar o sangue, ela veio e arranhou a outra face.
- SUA BUCETA! QUE MERDA PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?
- Viu? Viu só? Você é um tarado!
Ela estava de pe bem junto de mim. Agarrei-a pela bunda e mergulhei de boca. Os peitos balançando bem junto, ela toda junto de mim. Ela levantou a cabeça e afastou-a de mim:
- Tarado! Tarado! Tarado!
Com a boca alcancei um de seus peitos, fiquei nele um pouco e depois mudei para o outro.
- Estupro! Estupro! Estou sendo estuprada!
E ela estava certa. Puxei as suas calças, abri o meu zíper e liberei o ganso. Enfurecido, enfiei, e fomos andando até o sofá.Caímos bem no meio. Ela abriu bem as pernas!
- Estupro! - gritou.
Acabei logo, fechei o zíper, apanhei a mala do correio e sai enquanto ela ficava absorta olhando o teto...
Perdera o almoço e nem assim consegui chegar em tempo.
- Você está 15 minutos atrasado!, disse o Stone.
Eu não disse nada.
O Stone olhou pra mim.
- Por Deus, o que houve com o seu rosto?, perguntou.
- O que houve com o seu?
- O que você quer dizer?
- Ah, deixa pra lá!
Eu estava de ressaca de novo, e era uma outra onda de calor, uma semana com dias de 32 graus. A bebedeira continuava cada noite; nas madrugadas e durante os dias havia o Stone e a impossibilidade de tudo.
Alguns caras usavam capacete e protetores como se estivessem sob o sol africano, mas eu, eu ficava na mesma, chovesse ou fizesse sol - roupas esmolambadas e sapatos tão velhos que os pregos espetavam os pés. Pus pedaços de papelão nos sapatos. Mas só resolveu temporariamente - logo os pregos estavam me espetando os calcanhares de novo
O uísque e a cerveja evaporavam de mim, escorriam das axilas, e eu ia andando com minha carga nas costas como se carregasse uma cruz, entregando revistas, entregando milhares de cartas, cambaleando, derretendo debaixo do sol.
Alguma mulher gritou:
- CARTEIRO! CARTEIRO! ESSA CARTA NAO É DAQUI!
Olhei e ela estava um quarteirão morro abaixo e eu já estava atrasado.
- Olhe, dona, ponha a carta do lado de fora. Nós pegamos amanhã!
- NÃO! NÃO! QUERO QUE A LEVE AGORA!
Ela sacudia o troço no ar.
- Dona!
- VENHA BUSCAR! NÃO É DAQUI!
Oh, meu Deus. Deixei cair o malote. Aí peguei meu quepe e atirei-o na grama. Rolou ate a rua. Não liguei; desci em direção à mulher.
Desci meio quarteirão e arranquei a droga da carta das suas mãos, aí virei e voltei.
Daria um anúncio! Correio de quarta categoria. Algo como a venda de roupas pela metade do preço. Catei meu quepe e pus na cabeça. Pus o malote de volta no ombro esquerdo e recomecei. 32 graus.

Trecho extraído de Cartas na Rua
de Charles Bukowski
tradução de Alberto Alexandre Martins e Marilene Felinto